quinta-feira, 19 de abril de 2012

Pra ser feliz e nada mais - Parte 2

XX


Fico preocupado com o sono. Não posso perder corridas por aparentar mais ou menos cansaço. O trânsito ainda tenta influenciar minha felicidade. Ele não se importa e viveria até melhor sem mim. Por esse motivo, eu sigo meu pensamento pelos semáforos. Paro um instante, me preocupo e corro. Sem limites por essa manhã cinza. Levo pessoas ao trabalho. Alguns procurando um bom lugar para um curto café da manhã. Tenho opções decoradas. Conheço os caminhos mais curtos e os becos sem saída. A cidade me auxilia. Mesmo ela aumentando a cada dia. E o cheiro de fumaça com ela.

Preciso da praia. Uma corrida pelo corcovado talvez. Por qualquer aterro. Livrar-me do cimento está cada vez mais difícil. Trava meus pensamentos. Limita meus movimentos. Tudo é passado. Acontece que minha felicidade depende de mim. E com esse pensamento vou sobrevoando as construções. Sobrevivendo a alguns dias que se passam em cada tediosa hora do trabalho. Quase sinto sono e sei que não posso. Talvez não fosse feliz coberto por aquele lençol branco. Deitado no meio de uma avenida carioca. Doce leito. Daria um samba! Certeza! Mas acho que ninguém lembraria... Nem no noticiário local iriam se importar (dependendo do engarrafamento, comentariam o acidente ao menos).

Não teria uma comissão de frente na Apoteose com um cara qualquer vestido de taxista (Acredite que existe um jeito próprio de se vestir assim, poucos são verdadeiros o suficiente). Ele levaria uma garrafa de Rum na mão, parecida com a que guardo no porta-malas bem no canto pra não atrapalhar as bagagens dos passageiros, e também deitaria esperando ser coberto por um lençol manchado de vermelho. Eu iria sorrir tanto do céu e ainda mais do inferno ao vê-lo atropelado por uma alegoria. Provavelmente seria do inferno, dado as minhas atitudes cotidianas. Mesmo assim me acho um bom homem. Sou justo quando preciso. Sou sincero nos momentos certos. Seria de lá. Injusto. Mas agora eu tinha um pensamento que me faria feliz. Nada mais importa. Não posso dormir.

O movimento da cidade aumenta de forma vertiginosa. Amistoso da seleção. É contra uma seleção desconhecida que ninguém conhece. Mesmo assim o número de viagens com destino ao Maracanã não param. Aproveito para cobrar um pouco mais por corridas fechadas. Bem melhor.

Entenda mais uma vez que não faço por mal. Tenho que olhar nos olhos de Antônia quando voltar pra casa hoje. Ela vai me ouvir dizendo que o dia foi ótimo e vai sorrir satisfeita. Nossos luxos são poucos e difíceis de manter. A cidade sofre para me alimentar. Às vezes somos muitos filhos. Ricos tão poucos e com tanto. Bocas demais. Favelas demais. E outros tipos de bocas demais também. Meu filho reclama em perder o celular que sabe que corri demais pra conseguir. Levaram por uma favela qualquer por aí. Sei lá. Não gosto de repetir, sabe? Parece que vai me trazer um tipo de mal-olhado estranho e mal vejo que tudo o que preciso é de menos má sorte. Afinal, por mais que eu saiba, não me sai da cabeça essa ideia de ser feliz. E cada vez acredito mais em meus ideais.

Na hora do jogo, levo alguns atrasados para um lado e para outro. Outros trabalhando sem se importar, sabem que o jogo de hoje não vale praticamente “nada” e tem muitos caminhos para trilhar.

A cidade vai passando.

A vida acabando.

Meu pensamento crescendo.

Agora minhas corridas vão chegando ao fim. E eu tenho pensamento. Serei feliz. Posso até ficar rico com isso. Definitivamente. Mas depois de feliz, o dinheiro nem vai importar. E é só isso que quero. Não me importar. Finalizo minha última corrida. A luz do sol via nos deixando, mas antes nos deixa os demônios ruivos do entardecer.


XX


Segue...