quarta-feira, 24 de abril de 2013

Frágil


Frágil

Asas frágeis. É difícil voar. Agora o pouso, por mais que assuste, conforta.
Acho que descobri de uma vez por todas o que é morrer.
Morrer é só um susto. Nada mais que um momento.
Passa correndo em desespero enquanto na sua mente não se passa uma vida. Nada disso. Você só pensa, ainda que inconformado “é isso? Esse é o fim da história?”. Questionamento válido e motivado enquanto as pessoas gritam. Seus amigos gritam e você pensa em você. O som estupidamente alto da batida. Você só pensa em você. E meu egoísmo não é único e sei. É o mais humano que aproximo da palavra. Preocupação com sobrevivência pela sobrevivência. Instinto animal. Humano. E você só pensa em você.
É só um susto. É só um momento. E você procura por abrigo e alguém do seu lado. Um conforto que supostamente lhe daria tempo de sentir aquele algo mais. A maioria por aí pensando em morrer. Desde que não sendo pelas próprias mãos está tudo bem. Sonhando com a própria morte. Nos sonhos também é só um susto.
Não dá tempo de reminiscências nem arrependimento enquanto a bala cruza repetidas vezes. Não há tempo após o estrondo. Após a explosão, não é mais você. Quando a água começa a entrar, não é mais você. Quando a fumaça já tomou conta de tudo, não é mais você. E seu coração batendo rápido é mais indício de momento. Sua vida é só momento.
E você só pensa em você.
Frágil.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Tenho pensado em educação


Tenho pensado em educação.
Não somente daquela com a qual todos têm que lidar no dia a dia. Aguentar a “falta de educação” humana já é tão comum que banalizo desrespeito com um sorriso. O inesperado machuca bem mais.
Penso na educação não só de meu país. Não é somente mera torcida por valorização do profissional docente. Não estou querendo maiores escolas e o próximo Einstein. Quem sabe um Bobby Fischer? Mozart? Eu a valorizar minha bandeira com um Santos Dumont nas camisas vendidas na esquina onde só havia foto do Che e Bob Marley.
Não é crítica. É só pensamento.
Eu pensei na educação tempos atrás. Estava me despedindo de uma escola em que trabalhava como professor, mas não tinha avisado os alunos ainda. Aulas de despedida tendem a ser emotivas demais e sempre busquei evitá-las. Eu sabia que terminaria, mas confiava no professor substituto e tentava manter o bom trabalho até o último segundo.
Cheguei ao último dia. Um desejo se realizou.
Em uma das turmas que não lembro ao certo qual, um aluno que também não lembro o nome me disse uma frase que nunca esqueci.
Eu queria você fosse embora daqui e não voltasse mais.
Lembro que ele não “gostava” de mim. Eu era o chato que queria fazê-lo estudar. Era insistente. Chamava atenção para a aula. E estava errado.
O desejo se realizou.
Anos se passaram e esse episódio continua na minha memória sem fazer muito sentido. O desejo permanece realizado. Eu imaginei a recepção da notícia no dia seguinte. Será que ele comemorou ou se arrependeu? Será que sua convicção hoje é que continuo errado? Será que se lembrou de algo que eu disse no momento de uma questão do vestibular?
Meus amigos da educação por vezes dizem que irão abandonar tudo de vez. O governo já o fez.
Eu?
Recebo um dia ou outro uma dúvida que ao respondê-la recebo um “obrigado, professor” acompanhado de um sorriso que me faz pensar em educação.
Talvez ainda possa valer a pena continuar por mais vinte anos...

A. B.

Marquinhos

Marquinhos

A senhora chegou do serviço com as mãos já bastante trêmulas. Acontece que nada a deteria. Correu à cozinha e preparou o café mesmo derramando algumas gotas para lá e pra cá. Pensava na bagunça e na sujeira que ela mesma causava, mas aquilo não era nada. Ela arrumaria em um instante. Marquinhos nem iria perceber. Chegaria afobado. Talvez derrubasse um ou outro copo, mas certamente voltaria depois com mais. Era um rapaz que sabia honrar seus compromissos. Lembrou-se da louça e limpou voando em pensamentos distantes.
- Pense num menino bom! – Ela diria satisfeita sem rancor nenhum.
Terminada a arrumação na cozinha, partiu mais uma vez numa disparada turva em direção à sala. Era tudo bem superficial, mas sempre convencia. Puxava uma ou outra almofada do sofá e tudo parecia mais bonito. Estranhou o controle no lugar correto. Marquinhos sempre deixava caído pela sala. Ela nunca havia brigado. Rosie chegava da escola sempre reclamando com o pobre menino e a senhora defendendo com as mãos mais trêmulas que normal.
- Menina, deixa o menino! – Ela talvez colocasse a mão no peito para aumentar o drama. Mas só se precisasse.
Cozinha. Sala. Agora o quarto. Sua jornada não acabava. Nada a deteria. Ela agora procurava a cópia da chave que tinha escondido. Não lembrava onde deixara. Justo porque o quarto de Marquinhos vive fechado. Rosie não chegava da escola. A senhora impaciente foi até a porta e percebendo aberta sorriu o mais sincero dos sorrisos amarelos.
- É muita sorte, meu senhor! – Como se a porta fosse da esperança no fim do arco-íris de Wall Street.
Tirava tudo do guarda-roupa e jogava sobre a cama só pra arrumar tudo certinho. Pensava no tanto que Marquinhos gostava de sair arrumado. Encontraria a roupa mais rapidamente e sairia feliz por isso. Arrumava os celulares na estante por ordem de tamanho. Por tudo que é mais sagrado, como esse menino é importante pra ter tanta gente conhecida assim?! Ela pensava consigo e tremendo continuava o serviço. Fechava a janela que ficava de frente para a cama.
- O menino pode resfriar... O menino não pode se resfriar! – Convicção sobrava na voz para compensar os movimentos ainda mais lentos pelo cansaço.
Um barulho veio da porta da frente. Madeira contra madeira na porta do barraco. Rosie chegava da escola apressada. Correu a cozinha e na geladeira pegou a garrafa de refrigerante e saiu bebendo pela casa. Passou na frente do quarto e viu a senhora ainda em seus afazeres.
- Mãe... O que a senhora está fazendo? – Disse mansamente.
- Menina. Não sou senhora. Estou arrumando as coisas para de quando Marquinhos vinhé. – Resoluta em cada palavra ela transpirava com dificuldade mesmo assim.
- Deixa disso mãe. Você sabe... Que ele não vai mais voltar... – Palavras lentas que pesavam uma tonelada. De esmagar o coração.
A senhora segurava o coração. Sem fingir dessa vez. Lágrimas escorriam de seus olhos e lembranças atordoadas povoavam sua mente. Era Marquinhos na TV. Eu sabia que esse menino seria sucesso. Era Marquinhos aparecendo em todos os canais. Mas não chamavam o menino de Marquinhos. Chamavam Marcos Augusto Bezerra. Chamavam Bandido. Chamavam Traficante. Chamavam tudo e nada menos Marquinhos. A TV falava e TV não mente. Falava que Marquinhos entrou no morro com outros três “indivíduos” e vinha fugido de polícia. Desceu do carro sozinho e tentou correr com uma bolsa de droga na mão. A TV falou. TV não mente. Seis tiros. E Marquinhos não voltava mais. Rosie abraçava a senhora e chorava também.
- Eu também sinto saudade, mas amanhã tudo ficará melhor... A senhora vai ver! – Ela prometia.
E o dia de amanhã seria exatamente igual.

A. B.

Hoje uma garota sorriu pra mim

Hoje uma garota sorriu pra mim

Hoje uma garota sorriu pra mim.
Passeava tranquilo e despreocupado no shopping indo em direção a uma loja de livros que gostava muito. Gostava. A loja agora é metade livros, metade restaurante. Não vi razão em nada daquilo e pelo barulho decidi ir embora o mais rápido possível. Então, comprei um belo fone de ouvidos novo e parti.
Enquanto tirava o fone da embalagem passava por um banco. Duas garotas conversavam alto. Muito alto. Nesse momento, uma delas disse:
- Sou preconceituosa mesmo! Odeio viadagem! – E sorriu.
Não sei se esperava um sorriso de volta. Não vi razão em nada daquilo e não devolvi nenhum gesto próximo à afeição. Nada disso.
Coloquei meu fone pensando:
- Sou preconceituoso mesmo! Odeio gente preconceituosa – E sorri sozinho. Riso distante.
Coloquei meu fone de ouvidos e espero que ele dure o suficiente para nunca mais ouvir essas conversas de corredores de shopping.
Nota mental: Use fone de ouvidos.

A. B.

O que me sobrou do amor

O que me sobrou do amor

Sobrou uma lembrança intocada digna de mulher idealizada
Por nada mais que um mero sonhador
Sobrou algumas noites mal dormidas, agonias ressentidas
A cada palavra dita em fervor

Sobrou um lanche despreocupado, momento inesperado
Onde estar era questão somente física
E físico também era o clamor e o desejo de meu ser desesperado
Por aquela pele tocar, essa boca que fala em arte e mecânica quântica

Sobrou te ver e te encontrar em todo lugar, mas você nunca ali
E onde quer que realmente esteja eu me esforço garras, dentes e pesar
Pra dali fugir, esconder, enterrar, não suporto nenhuma vez teu olhar
Sobrou tua voz nas canções e músicas que me apertam o peito ao ouvir

Sobrou você em todo lugar, lembrança e olhar

Sobrou um querer estar e sentir sem limites
Mas também um despedaçar de coração no mínimo triste
Sobrou um querer estar sozinho e não sentir que alguém me imite
Tarde e tardes de sonhos e palavras de lenitivo, pura esquisitice

Sobrou esse temer me aproximar e o passado me ouvir de perto
E descobrir que meu passado é real passado, isso desperto
Diz perto de mim o que sobrou do amor

O que sobrou do amor?
Solidão

A. B.