Ainda existe?
Bem
A surpresa maior foi lembrar da senha sem maiores problemas...
O livro pronto que ainda nem publiquei o link por aqui
Promessas para um dia futuro
Agora um dos contos...
XX
A Despedida
Ele começou severo, mas como gelo no asfalto quente, auge de janeiro, foi se desmanchando. Não foi por engano. Até mudou de cor. Foi aquele olhar que congela. Fez-se incêndio em segundos. Do ódio à paixão.
Era o olhar que ela fazia.
O que antes era estátua de mármore congelada e rigorosamente parada atrás da linha amarelado tinha agora mudado. Será que ela se esqueceu do torpor e como um grande ancião simplesmente decidiu acordar?
O grande vagão de aço foi parando lentamente. Ela segurava o bolso do casaco com o máximo de força. Medo de se mostrar. Deixar-se enxergar. Dizia a si mesma por diversas vezes para não chorar.
Estava frio. O frio lhe irritava um pouco.
Odiava quando ele chegava com ideias de férias no extremo sul. Ou até demais ao norte. Diversão é pouca roupa e sol, ela ria, foi a TV que me ensinou. Ele sorria também.
Que será esse coração acelerado? Ah! Fácil de entender. Nesse frio estúpido de quebrar os dentes após cada batida, não podia ser diferente. Verdadeiramente seus dentes não batiam. Nem o frio era tamanho. Tampouco seus pensamentos se alinhavam para uma justificativa aceitável.
- Que droga – ela pensava – não quero parecer nervosa... Não posso parecer nervosa...
Era um daqueles momentos que os pensamentos chegam como um turbilhão em segundos. O barulho do trem parando e os anos se passando. Ela estava mais velha, é bem verdade, mas em verdade também madura. Tinha certeza de que ele a iria reconhecer.
- Xeque mate – Disse a voz que a assustou.
Dois garotos com cabelos longos no chão da estação jogavam em um tabuleiro quebrado. Incrivelmente transpirando serenidade. Um deles procurava uma solução e segurava o rei de cruz quebrada de forma hesitante. O outro com crueldade na voz disse:
- Você está acabado... Esse é seu fim... Desiste...
E ela mesmo sendo ouvinte, terceira pessoa, fora de foco e da conversa, sorriu. Um sorriso amarelo que sente as palavras ressoando na alma.
O trem parou.
Ela ainda sorria, enquanto uma solitária lágrima caía. Limpou rapidamente o rosto com um lenço guardado no bolso do casaco. Sempre precavida. E aproximou-se ainda mais da linha amarela, que neste trecho já estava semi apagada.
Algumas pessoas também se aproximaram com caras de “esperar por alguém ou algo”. Esses “alguém’s” carregando seus “algos” saíam um a um e lançavam-se nos braços dos outros. Ela sorria. E por um segundo se arrependeu, pois nunca seria assim.
- Ele não vem...
Descrença? Parece que mal sabe que só chegamos onde queremos quando desistimos de chegar.
Ele apareceu e desceu calmamente até o piso da estação. Slow motion. Ela ainda olhava de lado e criava coragem para chamá-lo. Ele arrumava a mochila pesada e sorria por estar assim. Trazia ali sua vida, seu universo. Seus casacos, seus livros e lembrava novamente da vida que carregava em si e sabia que isso era o mais importante.
Nada mais.
Ela o olhava. Seus olhos brilhavam. Era o olhar.
Ele a viu e se aproximou mais rápido do que ela esperava. Qualquer palavra, frase, gesto ou som a pegaria de surpresa.
- Nossa! Quanto tempo!
Ela refletia. Olhava as marcas do tempo no seu rosto. E respondeu tardiamente, somente quando ele desistiu de esperar que ela respondesse.
- Verdade... Muito tempo...
- Então – Retomou ele a palavra – decidiu mesmo vir passar um tempo no “sul profundo” – tentou no final fazer uma voz meio cômica e meio assustadora, lembranças de um filme de infância.
- Sim. Eu acho. As pessoas mudam.
- Bem. Acho diferente. O tempo é que muda as pessoas. O tempo chega e cega as pessoas que nunca mudam. É essa cegueira que a gente vê como mudança...
Ela se segurava forte para não chorar.
- Acho que foi isso que aconteceu conosco... – Disse ela ressentida – O tempo nos cegou...
- Não – Pensou e reformulou – Não sei ao certo. Algumas pessoas nascem cegas naturalmente. Não é mesmo? Em alguns casos a cegueira é física em outros ela é somente espiritual. O tempo é algo esquisito. Tão esquisito que por não podermos mais explicar a gente sai por aí inventando Deuses, maldições e espíritos. Só pra passar o tempo e fingir que entendemos das coisas sabe? Acho que a gente não enxergava mais o que era importante.
- Está dizendo que eu não enxergava o amor ou... Sei lá... a felicidade? Não entendi onde pretendeu chegar com esse papo de tempo...
- Você veio sozinha?
- Não... – Respondeu com todo o pesar do mundo na voz.
- Agora você entende o “papo do tempo” que eu tinha dito? – Perguntou levantando uma das sobrancelhas.
- Não sei... - Respondeu com todo o pesar do mundo na voz.
O mundo girava. Por um instante talvez tenha parado e todos os habitantes do mundo olhavam na mesma direção, mas ninguém sabia pelo que procuravam. Amor... Sei lá ... Felicidade... Tanto faz.
- Mais do que provado que algum tipo de amor você conhece. Acontece que o tempo pode ter chegado e te mostrado que isso não te faz totalmente feliz... Não te satisfaz ser cega ou deixar de ser... Entende?
- Eu te odeio – Finalizou já coberta de lágrimas.
Uma luz se apagou em um canto agora escuro da estação. Ele segurou sua mão enquanto ela chorava. Deu um último abraço.
Em silêncio ele andou na direção de um táxi. Era o sinal de que tinha dispensado a possível carona que ela iria oferecer. Um pensamento batia a porta. Primeiro calmamente e agora a porta já estava ao chão.
Ela nunca mais o teria.
E depois dele, ela nunca mais seria feliz.
Alexandre Bernardo
XX
Sempre
E nem sempre
Mas sempre tentando
estar aqui
...
A. B.