sexta-feira, 9 de março de 2012

Mais que dia!

Sem dias. Cem noites.


XX

Mais que dia


- Mais que dia!

Era a frase dita toda noite como um velho ritual ao se deitar ao lado da mulher que já nem notava a falta ou sua presença.

- Mais que dia!

Dizia ele em busca de reafirmação e um pouco de atenção. Quem sabe?

Dizia como queria. Era livre. Maizi que diaz. Más que dia. Mas que dia.

Sem nenhuma resposta, seu corpo cansado deitava seus músculos e ossos estendidos em uma cama macia para adentrar naquele estado de semi-morte... Como chamam?...Sono...Chamam de sono mesmo se não me engano.

Ele dormia com aquela mensagem na cabeça, daquela forma que o inconsciente não te deixa mais em paz. Tormento... Tormento puro. Entre reviravoltas, remexidas, vai e volta, puxa e solta cobertores, tomou um empurrão. Sua mulher cansada de seus movimentos. Já desconhecia a paciência excessiva que só o amor traz.

Acontece que nesse empurrão uma letra se perdeu.

E que falta que fez. E quanto tudo muda por uma letra consciente ou inconscientemente.

A mesma letra que pretendia começar o nome de seu filho. A mesma que se iniciava o nome de seu pai. Era só mais um singelo sinal de desrespeito. Aquele respeito que quando falta em vida e alguém que deveria ser importante e não era se vai. É mostrada a face da ingratidão. Tudo pensa ser revertido, se perante outros ingratos presta-se homenagens sem nenhum sentido.

Show de horrores, bem no estilo horrorshow que a fruta se industrializa para alguns mostrou. Alguém podia entender o significado?

Realidade?

Quase ninguém entendeu.

Mas nem entre a estranha semelhança gerativa de T e D alguém entendeu. E provavelmente nem faça sentido de uma maneira ou de outra, por que um I também se perdeu.

A frase seguia soberana em seus reinos do subconsciente enquanto emitia um barulho semelhante a um baixo urro assimilado como ronco.

Mais alto lembraria os gritos nos altares dos deuses e semideuses. Há muitos mortos, mas poucos se lembrariam disso.

A falta do I. Sua presença seria notada...

Mas que dia!

Ele precisava de complemento! Ele precisava de complemento!

E o inconsciente se expandiu. Era uma nova frase que planava sobre seus pensamentos mais recônditos e adormecidos e um a uma se levantava buscando seu espaço naquele mundo empoeirado. Sua cabeça latejava.

Mais que dia!

Mas que dia!

Mas que da!

Tudo iria mudar? Levantaria de mal humor e seria despedido após uma bela reunião? Daria atenção a sua mulher? E, enfim, amor... Todo amor do mundo que enfim queria... procuraria por uma vida melhor?

Eu lembro bem. Ela me disse: já que não posso te amar, deixa só eu te odiar um pouco mais?

Entenderia que uma vida em alta velocidade não significa vida intensa, e sim, que as coisas da vida perdem-se mais e mais rápido...

Daria o valor que valia a vida. Daquela que vale a cada momento ser vivida, vale cada instante de dor e prazer.

Vale cada mês, cada jogo de futebol ao lado do filho, vale a vibração do gol no último lance e vale o choro e a despedida no último beijo, pois mesmo na dor, tem o seu o que de vale a pena viver.

Viver vale a pena... Mesmo suportando dura pena...

Entenderia a falsidade dessas palavras e mesmo assim as reafirmaria, pois a esperança que aparece no olhar da criança é a mesma que motiva o viver e a busca da felicidade verdadeira...

Mesmo nunca entendendo...

- Mais que dia... Tudo e nada iria acontecer?

Sua cabeça latejava.

- Mais que dia... Teria o que lhe faltava e todo o tempo do mundo?

Começava a despertar e sua cabeça doía.

- Mais que dia... Entenderia e esqueceria o significado da vida?

E por um segundo, sem precisar de nenhuma dessas e nem de outras palavras entendeu.

Entre o sangue que vertia como rio nos seus olhos viu a figura de um velho prostrado aos pés de sua cama. Seu olhar era de quem entendia e esquecia constantemente o sentido da vida. E com essa bagunça toda se divertia.

Um sorriso.

E ele caía sentindo todo o esplendor daquela paz.

Disseram que foi mais um ataque cardíaco.

Não acredito. Para mim isso foi só boato.

Morte cerebral sem aparente motivo.

Bobagem.

Uma doença rara que ataca uma em cada dez milhões de pessoas.

Mais um excesso de números e palavras vazias.

Mas alguém sabia... Mas... Mas melhor seria não contrariar.

Certas coisas na vida possuem várias maneiras de ser desveladas.

E nessa velocidade fica tão difícil entender tudo o que é visto nas janelas.

E passando tão rápido, os sentidos são perdidos e eu sei que cada momento é muito importante. Sei também que o mais usual é sempre somar e para todos essa vida é tão estranha de viver... E de viver por viver...

Os sentidos?

Perderam-se num olhar e num sorriso de paz...

O saber? O aviso do que será esquecer...

E viver por viver... Minha cabeça lateja ainda mais... O parto ocorre e eu mal consigo olhar... A vida me dói... Da dor tento me livrar... E desse modo...

A vida se esvai...

O velho homem coloca a mão sobre meu ombro e diz suavemente:

- Não adianta e nem nunca adiantou lutar...



Alexandre Bernardo


XX


Sem mais. Cem menos. Como que quiser.

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