Marquinhos
A senhora chegou do serviço com as mãos já bastante trêmulas. Acontece que nada a deteria. Correu à cozinha e preparou o café mesmo derramando algumas gotas para lá e pra cá. Pensava na bagunça e na sujeira que ela mesma causava, mas aquilo não era nada. Ela arrumaria em um instante. Marquinhos nem iria perceber. Chegaria afobado. Talvez derrubasse um ou outro copo, mas certamente voltaria depois com mais. Era um rapaz que sabia honrar seus compromissos. Lembrou-se da louça e limpou voando em pensamentos distantes.
- Pense num menino bom! – Ela diria satisfeita sem rancor nenhum.
Terminada a arrumação na cozinha, partiu mais uma vez numa disparada turva em direção à sala. Era tudo bem superficial, mas sempre convencia. Puxava uma ou outra almofada do sofá e tudo parecia mais bonito. Estranhou o controle no lugar correto. Marquinhos sempre deixava caído pela sala. Ela nunca havia brigado. Rosie chegava da escola sempre reclamando com o pobre menino e a senhora defendendo com as mãos mais trêmulas que normal.
- Menina, deixa o menino! – Ela talvez colocasse a mão no peito para aumentar o drama. Mas só se precisasse.
Cozinha. Sala. Agora o quarto. Sua jornada não acabava. Nada a deteria. Ela agora procurava a cópia da chave que tinha escondido. Não lembrava onde deixara. Justo porque o quarto de Marquinhos vive fechado. Rosie não chegava da escola. A senhora impaciente foi até a porta e percebendo aberta sorriu o mais sincero dos sorrisos amarelos.
- É muita sorte, meu senhor! – Como se a porta fosse da esperança no fim do arco-íris de Wall Street.
Tirava tudo do guarda-roupa e jogava sobre a cama só pra arrumar tudo certinho. Pensava no tanto que Marquinhos gostava de sair arrumado. Encontraria a roupa mais rapidamente e sairia feliz por isso. Arrumava os celulares na estante por ordem de tamanho. Por tudo que é mais sagrado, como esse menino é importante pra ter tanta gente conhecida assim?! Ela pensava consigo e tremendo continuava o serviço. Fechava a janela que ficava de frente para a cama.
- O menino pode resfriar... O menino não pode se resfriar! – Convicção sobrava na voz para compensar os movimentos ainda mais lentos pelo cansaço.
Um barulho veio da porta da frente. Madeira contra madeira na porta do barraco. Rosie chegava da escola apressada. Correu a cozinha e na geladeira pegou a garrafa de refrigerante e saiu bebendo pela casa. Passou na frente do quarto e viu a senhora ainda em seus afazeres.
- Mãe... O que a senhora está fazendo? – Disse mansamente.
- Menina. Não sou senhora. Estou arrumando as coisas para de quando Marquinhos vinhé. – Resoluta em cada palavra ela transpirava com dificuldade mesmo assim.
- Deixa disso mãe. Você sabe... Que ele não vai mais voltar... – Palavras lentas que pesavam uma tonelada. De esmagar o coração.
A senhora segurava o coração. Sem fingir dessa vez. Lágrimas escorriam de seus olhos e lembranças atordoadas povoavam sua mente. Era Marquinhos na TV. Eu sabia que esse menino seria sucesso. Era Marquinhos aparecendo em todos os canais. Mas não chamavam o menino de Marquinhos. Chamavam Marcos Augusto Bezerra. Chamavam Bandido. Chamavam Traficante. Chamavam tudo e nada menos Marquinhos. A TV falava e TV não mente. Falava que Marquinhos entrou no morro com outros três “indivíduos” e vinha fugido de polícia. Desceu do carro sozinho e tentou correr com uma bolsa de droga na mão. A TV falou. TV não mente. Seis tiros. E Marquinhos não voltava mais. Rosie abraçava a senhora e chorava também.
- Eu também sinto saudade, mas amanhã tudo ficará melhor... A senhora vai ver! – Ela prometia.
E o dia de amanhã seria exatamente igual.
A. B.
A cigana de fogo (Ato 1)
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1813
Europa ocidental
Voltava pra casa após mais um dia de trabalho nada incomum
Distante eu vi uma fogueira
Um povo estranho em volta dela dançando e can...
Há 4 anos
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